27 de outubro de 2010

Ter fé

Quando se perde toda a referência primeira. Quando o cerne do aprendiz se tornou o aprendizado de aprendizes precedentes. Quando o mestre não mais observa a raiz, mas incomoda-se com a incoerência dos frutos. Quando o que existe proclama o que irá nascer, quando o que nasceu perdeu-se de sua essência criadora. Quando o que procede não mais precede de cuidados, mas é carente de zelo. Quando o que carece de exigências arrota arrogância de saber, sempre ter que ter razão. Quando o que digo precisa ser inscrito na alma de outrém, quando, quando, quando... De "quandos" em "portantos": autoridades perdem sentido, obediência fere a liberdade, aconchego transmuta em apego, atitudes urgem medidas, cansaço gera fadiga, ser reveste-se de fardos.
A inconstância do olhar. Todos os dias entram em nossas almas aquilo que, por muito, não quereríamos, mas permitimos que adentre pelos sentidos e carreguem de nós nossa inocência original. Seja pelo profissional, seja pelo pessoal, adquirimos experiências de vida pelas vivências que se inserem em nosso meio, pelo direito da vida de acontecer e pelo nosso dever de resposta a esses acontecimentos. Isso, tenho direito sobre o que se esvai de mim, sobre os desdobramentos de minhas reações. Não obstante, não o contrário. Perdemo-nos, por muito, pelo escoamento de nossas forças em querer controlar as reações precedentes, em chorar passados intransponíveis, em perder-se no presente e revestir  de carências um futuro cheio de possibilidades. É quando a fé vira patuá, não mais certeza de vida. Não mais chão de água firme, mas tempestade que afoga e faz morrer. É quando ter fé vira o jeans da moda, a blusa do momento, o show da temporada.
Perder-se. É como abandonar-se. Gera sentido duplo, se aplicado aos olhos de fé esvaída do orgulho de ser cristão simploriamente. Arroto fé, quando estou com estômago vazio. Sou como o copo limpo por fora e sujo por dentro. Daí, reconhecer-se gera conhecimento do que não me pertence mais. As atitudes de controle, já desmoronadas anteriormente, clamam o luto de seus últimos suspiros. Gritam desesperadamente perdão e clamam orgulhosas as simpatias pelo corpo que as pertenceu. Pertenceu, do passado "não pertence mais". A conjugação perdeu o sentido, porquanto a encarnação do Verbo virou transitiva e direta: quanto mais vivo uma verdade, mais essa verdade inscreve em mim suas reações, e o redor se torna verdadeiro campo florido por minhas vergonhas antecedentes e por meus desdobramentos arraigados no meu olhar. É a peculiaridade da diferença que faz a beleza das pequeninas flores do campo. Deveras, todo buquê de rosas precisa de pequenas ramagens para enquadrar sua formosura.
Quiçá, perder os sentidos faz mais sentido do que ter motivos para perder-se, não ter forças traz fortaleza, desmoronar faz melhor que construir... Gerar sol, mesmo quando o escuro da noite demora a ir embora. Por fim, louvar a Deus, pela simplicidade da existência humana, na gratuidade gerada na ascendência da santidade primeira.

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