22 de abril de 2010

Menina feliz, mulher aprendiz...

Cuidadosa. Revisitou cada cômodo, como alguém cauteloso que revisa toda a vida antes que lhe batam à porta. Como a professora que corrige as provas de sua turma. Como o escafandrista do Chico Buarque, ou a pontinha do pé da bailarina... Reabrir seu ser a visitações era doloroso: sabia que deixar-se conhecer acomete aos riscos de ser conhecida. Seu ser, acostumado as fadadas esperas, não importunava-se com a reconstrução de cada pedacinho que clamava pelas demoras do que nunca existiu. Tinha ares de felicidade. Seu sorriso, porém, remetia tristeza, angústia que nunca passou. Seus passos, sempre firmes, sabem aonde vão, mesmo que subitamente cometam enganos. Sua pele ressequida de sol, com brilhante e singular brancura: seu passado não mais importunava, porquanto o ressequido se extinguia com suavidade e desprendimento. Marcas de um tempo ruim? Nem tanto. O que passou serviu para o que há de vir seja vivido de forma mais proveitosa, a fim de gerar vida nela, e com quem tiver o prazer de simplesmente lhe rodear. O sol? Nascia para ela todas as manhãs... a chuva vinha vez por quando, mas com ela mantinha pacto de sair de mansinho, para que a lua alumiasse seus pensamentos. Enamorou-se por demais na vida. Hoje permite-se viver sem cobranças: não que não o queira mais (o amor), mas optou por enamorar-se antes de namorar a alguém. Seu olhar é mutante: ora dengo de menina, ora certeza de mulher. Anjo tecelão dos tempos, ajuda Deus todas as manhãs do ano a desenhar o mais lindo dia, para o coração dos valentes viventes acreditarem que hoje é o dia de ser feliz... Seu suor tem cheiro de flor, sua raiva é passageira e seu coração é tão grande que o próprio Amor nele mora com Pai Filho e Espírito Santo. Medo? Muitos. Aliás, todos. Sobretudo das expectativas: olharás e verás Carla Lacerda Viana. Eu? Olharei e verei alguém que reviu sua vida, e conseguiu enxergar algo que vale a pena: todas as perspectivas e expectativas do que não vivi, na perspectiva e espera do que hei de viver.



"Abri a porta e antes de entrar, revi a vida inteira..." * Milton Nascimento.

18 de abril de 2010

Mais do mesmo

Me pergunto sempre porque não consigo desenvolver meus pensamentos, desenrolar meus sentimentos quando estou feliz. Verdadeiramente, até meus escritos mais primorosos, repletos de nuances alegres são extraídos de um coração machucado. É, tenho atração pela dor. Sinto-me mais sensível ao palpável sentir-me amedrontada, acuada pelo que em mim não tem nome, virou sentimento.
Foi ai que percebi: reajo com meu dom quando nada mais em mim tem vida. Retiro do fim o recomeço. Abro janelas, se as portas emperraram e não consigo olhar de frente para o sol, de braços abertos, a rodopiar... Se a chuva cai mansa, e o horizonte turvo não me deixa ver as esperanças trazidas pelo vento que vem do norte, opto pela calma da espera. Opto por rir, por ser feliz. Opto, sobretudo, por ser.
Aprendi na Verdade que Ser significa muito mais do que aparências: vai além dos meus atos, das minhas consequências. Aprendi, sobretudo, a não mais considerar o outro por suas incomrpeensões, ir além dos erros ou acertos: balancear as atitudes, sábias aprendizes da felicidade, deixando aflorar do coração o verdadeiro sentimento. 
Coisa boa isso, deixar sair de mim a alegria que emana de um coração vivente, por saber-se ser quem se é! Viver as virtudes de uma entrega, saber as demoras da espera, e mesmo assim esperar, na esperança  do amor enraizado no ser, que virou vida...

4 de abril de 2010

Fe-li-ci-da-de

Levanta-te
Olha a tua volta
P'ra que esperar o que passou?

Observa
Revive a tua história
Chora a dor que te adornou...

Lembra-te
Das chagas abertas
De quem tanto te amou

E então
Retoma tua vida
Te coloca em teu lugar, e serás

Além de tudo que já existiu
Muito além do teu entender
P'ra lá das tuas promessas
Muito mais que teu proceder

No infinito de tuas obras
Tardarás e não falharás
Muito além de toda espera
Há um Céu pra se contemplar


por Carla Lacerda e Viviane Frutuoso

2 de abril de 2010

Confiança


Erupção.
O ímpeto saído de mim, como grito que ecoa em um infinito de consequências. Uma voz lá de dentro, anseosa por um passeio na ociosidade das memórias, póstumo furor de outros dias. Algo que de tão caro caiu no óscio do cuidado excessivo, primado essencialmente pelas cautelas do zelo.
Rugir.
Movimento ocasionado pelas incompreendidas demoras do ser, que se esconde como servo fiel de tamanho presente, preciosa ostentação de rara grandeza, defensável com a vida.
Ruir.
Frustração, que de esperar viver um futuro de sonhos e expectativas, esquece-se das vivências do tempo de hoje, abstendo-se de sentir, de SER fiel no propósito da cruz, mesmo que a ressurreição demore a amanhecer em mim. Esconder-me na chaga do sofrimento, conjugar em primeira pessoa as dores, derramar meu próprio sangue, sofrer, aceitar amar até doer, até ferir o orgulho, a vaidade, chegando ao ápice do egoísmo: o amor próprio. Deixar sair o pus, sangria de infelicidades... aceitar a loucura de um cálice proposto e beber solitária o vinho do humilhado.
Enlouquecer.
Chorar desvairadamente, chegar ao cúmulo de rolar ao chão, suplicar o auxílio do alto que parece não existir: sou eu, minha dor e o mundo a me esmagar. Chorar, desesperadamente, ao passo de sobrar soluços e faltar ar nas narinas. Silenciar os sons, os pensamentos, os sabores, os prazeres, as vidas, os desejos, as vontades, o ser. Morrer para minha existência: alcançando todas as definições do meu eu, e todas as suas potencialidades.
Empobrecer.
Viver as misérias do pobre, em todas as flexões e expressões da palavra. Rasgar minhas vestes, minhas inteligências, minhas verdades, sobretudo minhas mentiras, insuperáveis companheiras em reflexões. Perseguir despida pelas ladeiras do entendimento, como a louca desvairada do Reino, que de tanto errar encontrou-se com os acertos da vida, e lembrou-se do assoberbado cuidado, do bem zelado e não utilizado. Seria tarde para aprender todas as consequências de impregná-lo novamente em meu ser? Saberia eu bem fazê-lo?
Verbalizar.
Tornar à vida o que eu sou, sem mais esconder-me, como a presa de seu predador. Afinal, seria eu consolado ou consolador? Os dois. Criador e criatura. Obra prima e pintor. Criatura e Salvador... Mão a mão. Confiança e traição. Amor e perdão. Confiei no Teu amor e voltei! Sim, aqui é meu lugar... Vou errar sim, mas a retidão no coração superará as expectativas de uma vida tranquila. E quando nada mais restar, ninguém sobrar entre nós, a não ser as ruínas do que fui, permaneça em mim Teu olhar, que eu permanecerei em Ti, até o nada.