Cuidadosa. Revisitou cada cômodo, como alguém cauteloso que revisa toda a vida antes que lhe batam à porta. Como a professora que corrige as provas de sua turma. Como o escafandrista do Chico Buarque, ou a pontinha do pé da bailarina... Reabrir seu ser a visitações era doloroso: sabia que deixar-se conhecer acomete aos riscos de ser conhecida. Seu ser, acostumado as fadadas esperas, não importunava-se com a reconstrução de cada pedacinho que clamava pelas demoras do que nunca existiu. Tinha ares de felicidade. Seu sorriso, porém, remetia tristeza, angústia que nunca passou. Seus passos, sempre firmes, sabem aonde vão, mesmo que subitamente cometam enganos. Sua pele ressequida de sol, com brilhante e singular brancura: seu passado não mais importunava, porquanto o ressequido se extinguia com suavidade e desprendimento. Marcas de um tempo ruim? Nem tanto. O que passou serviu para o que há de vir seja vivido de forma mais proveitosa, a fim de gerar vida nela, e com quem tiver o prazer de simplesmente lhe rodear. O sol? Nascia para ela todas as manhãs... a chuva vinha vez por quando, mas com ela mantinha pacto de sair de mansinho, para que a lua alumiasse seus pensamentos. Enamorou-se por demais na vida. Hoje permite-se viver sem cobranças: não que não o queira mais (o amor), mas optou por enamorar-se antes de namorar a alguém. Seu olhar é mutante: ora dengo de menina, ora certeza de mulher. Anjo tecelão dos tempos, ajuda Deus todas as manhãs do ano a desenhar o mais lindo dia, para o coração dos valentes viventes acreditarem que hoje é o dia de ser feliz... Seu suor tem cheiro de flor, sua raiva é passageira e seu coração é tão grande que o próprio Amor nele mora com Pai Filho e Espírito Santo. Medo? Muitos. Aliás, todos. Sobretudo das expectativas: olharás e verás Carla Lacerda Viana. Eu? Olharei e verei alguém que reviu sua vida, e conseguiu enxergar algo que vale a pena: todas as perspectivas e expectativas do que não vivi, na perspectiva e espera do que hei de viver.
"Abri a porta e antes de entrar, revi a vida inteira..." * Milton Nascimento.